Adriana Luz

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Adriana
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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Amizade de estimação

*

Eu era criança. E, como todas as crianças do mundo, eu tinha muitos amigos. Alguns reais (a maioria primos e primas), e muitos imaginários (príncipes, mendigos, vendedores de loja, empregados, amigos dos amigos, cunhados, vizinhos.. enfim, tudo o que minha imaginação mandasse)... Mas nunca, jamais, em minha imaginação (o que diria na vida real), eu pensara em ter um cachorro como amigo.

Eu não sei como isso se deu. Nem como começou. Mas o fato é que desde que me entendo por gente (essa expressão é interessante, não?)... Bom, desde que me lembro do tempo em que deste mundo passei a fazer parte, sempre tive medo de cachorro. Aliás, só de cachorro não. De todo tipo de bicho (cachorro, papagaio, tartaruga, caramujo, pernilongo...). E, por causa disso, passei por várias situações embaraçosas (preciso escrever sobre estas situações, mas isso é outro ponto). E, num belo dia de sol, lembro-me bem que fazia um calor terrível! Era dezembro. Perto das férias escolares. A cidade toda enfeitada para o Natal. E eu só pensando no que aconteceria na minha casa. As festas de Natal na minha infância sempre foram repletas de gente, risos, alegria...

Eu voltava para casa, toda feliz e saltitante, com meus amigos imaginários, pensando no que me reservava aquele Natal e, quando eu entrei em casa, senti um cheiro diferente. Nem sei explicar como era. Mas era estranho. Perguntei à minha mãe sobre o tal cheiro e ela disse que era por causa de um produto:

_ Usei isso por causa do DIK!

Hum? Como assim? Isso o quê? O que seria isso que você usou? E mais, quem é DIK?

E ela, simplesmente, como se nada estivesse acontecendo:

_ O cachorro!

(O nome dele era Dik (!). Não sei quem dera esse nome ao digníssimo branco, enorme (apesar de filhote ainda), e cheio de pintas).

Silêncio mortal. Paralisação. Tremores internos. Acho que deveriam existir psicólogos de plantão para ensinar às mães a como dar essas notícias bombásticas aos filhos.

_ Cachorro, mãe? (olhos lacrimejando) – Cadê ele?

_ Amarrado lá no quintal.

_ Mas, por quê? (voz embargada).

_ Coisas de seu avô... Você não viu o cachorro quando entrou?

Não, eu não o havia visto. E, a partir daquele dia, minha vida, e a de todos na minha casa, virou do avesso. Eu não entrava, nem saía de casa sozinha. Todos os dias, se eu fosse sair, alguém tinha de me levar até o portão. E quando eu retornava, alguém tinha de me receber no portão, e me levar até o interior de meu lar (anteriormente tão sereno e feliz!). Minha casa tinha virado um inferno dentro de mim. Como viver numa casa onde havia um monstro no quintal? E isso não era imaginário. Eu chorava dias e noites. Olhava para meu avô com cara de menina abandonada e sofredora, mas ele dizia:

_ Toda casa tem de ter um cachorro.

E eu pensava:

_ E criança? Toda casa tem de ter também?

Por fim, botei a boca no mundo. Tanto choro, tanto desespero. Tantas vezes meu avô tentando acalmar meus ataques... E tantas vezes as pessoas tendo de me carregar no colo por causa do cachorro... Enfim, meu avô doou o “melhor amigo da casa”. Quando o compadre de meu avô veio buscar o DIK, senti vontade de chorar (tive pena do bichinho – um filhote de “dogue alemão”). Mas o medo era mais forte que eu...E, graças a Deus, ele foi levado para uma chácara onde todos o amavam. E foi feliz para sempre...

Depois disso, quiseram me enfiar goela abaixo outros “melhores amigos do homem”... Mas não. Nenhum deu certo. E eu segui assim, sem melhores amigos, pelo resto de minha vida juvenil. Até que, um dia, apareceu um cachorrinho em minha casa (em outra, não a da infância... e eu já com filhos), um filhote de Cocker, preto, todo peludo. Um presente para a família (presente de grego, claro!).

E ele se tornou o centro da casa (da minha mãe, óbvio, porque tratei de pedir a ela para cuidar do “presente” que acabara de receber). Não vou me demorar na história do Snoopy – este era o nome dele (outro dia falo sobre isso). Mas a questão é que depois de mais de um ano “convivendo” com o Snoopy, eu me acostumei a ter um amigo (de verdade). Ele não se importava com meus medos, meus gritos, nem com o fato de eu nunca o ter acariciado... Ele simplesmente me olhava de longe. E parecia entender o que eu sentia, sem cobrar nada. Apenas entendia.

Um belo dia (ou melhor, uma bela noite), eu voltei para casa e soube que o Snoopy havia ido embora (minha mãe tinha ido viajar e deixara o Snoopy na minha casa... Mas os pedreiros que faziam um trabalho em meu quintal deixaram o portão aberto, e meu amigo se fora). Acho que foi a primeira vez que senti a dor da perda de alguém. Quase tive um ataque. Mobilizei a casa inteira. Todos tinham de sair à procura do Snoopy. Como assim, ele fora embora? Eu não aceitava isso... Bom, independentemente de minha aceitação, ele se foi. E nós nunca mais o achamos. Foram dias de dor, luto mesmo. Até que, ao passar por uma pequena loja de animais, avistei outro filhote de Cocker, quase igual ao Snoopy. E esse filhote pulava tanto, fazia tanto estardalhaço para sair da loja que, para mim, soou como se fosse um pedido de socorro: do tipo “me leve daqui, pelo amor de Deus”... Ou “se me levar daqui, prometo-lhe ser fiel a vida toda”...

Desta vez, o amigo não era amigo, e sim, amiga. Lilica. A Cocker mais abestalhada que eu já conhecera. Como da outra vez, deixei-a com minha mãe (que chorara por dias, por causa do sumiço do Snoopy e ficara feliz da vida ao receber a Lilica). Mas agora, minha mãe e eu morávamos em casas vizinhas (e com um portão de acesso entre as casas). Portanto, Lilica ficava para lá e para cá, reinando, como dona do pedaço...

Bom, a esta altura você deve estar se perguntando: e o seu medo de bichos? Sumiu?

Não, caro leitor invisível. Não sumiu. Continuava como sempre, da mesma forma quando eu tivera o DIK.

Mas e aí, o que você fez? – leitor invisível indaga.

Não fiz nada – respondo.

Agora, eu simplesmente não conseguia viver sem a presença dela – da Lilica.

E ela, assim como o Snoopy, entendia meus medos. E tanto entendia que, com todo o seu furor, inquietação e instinto brincalhão, ela pulava em cima das pessoas da casa, lambia, roçava... Mas fazia isso com todos, menos comigo... Quando eu passava por ela, ela simplesmente me acompanhava com os olhos, levantava a cabeça e ficava esperando meu sinal. E eu dizia: Lilica, não se mexa!

E ela não se mexia.

E assim, eu transitava livremente pelo meu quintal, entrava e saía da minha casa... Ás vezes, ela me acompanhava quando eu estendia alguma peça no varal... E quando eu percebia a sua presença, eu dizia: Lilica! Psit! Estátua!

E ela, como estava, ficava. Eu podia passar horas ali, no quintal, que ela não se mexia. Permanecia fixa, como se estivesse dizendo: “só estou aqui para que ninguém lhe faça mal”...

Quando eu voltava para dentro de casa, ela mexia a cabeça, esperando meu sinal de “pode se mexer agora”... e eu dizia: espere eu entrar em casa.

E ela esperava.

Quando eu entrava, fechava a porta de vidro, e ela vinha correndo, feito louca, desembestada, trombando-se nas quinas das paredes, mas a tempo de me ver ainda girando a chave... Aí eu a olhava... E meu olhar parecia lhe dizer: “pronto, fique tranqüila, porque eu estou tranqüila”...

E ela deitava-se na varanda...

Lilica passou a ser um “membro” a mais na família. Não havia uma vez que eu não voltava para casa sem trazer algo para ela: um brinquedo, um osso, uma fita... qualquer coisa. Ela ficava esperando. Eu abria o portão e dizia: psit! Não se mexa! Abria a porta, entrava em casa, e ela me seguia com o olhar, estática... E só depois de me sentir “segura” em meu lar, eu dava a ela o presente, pela janela. E ela saía correndo feito doida, com o presente recém recebido... Era uma festa!

Havia também o pão. Lilica era viciada em pão (apesar de ter a ração diária recomendada pelo veterinário)... Mas ela achava-se membro da família, e como todos comiam muito pão em minha casa, ela também queria... Todo final de tarde, ela já esperava que eu trouxesse seu pão (mesmo trazendo outra coisa, ela voltava para receber o pão do dia). Quando estava de barriga cheia, corria para enterrá-lo. E depois de dias, aparecia com um pão nojento, cheio de terra, que ela ficava roendo enquanto me examinava pela porta de vidro da sala de jantar...

Bom... Depois de alguns anos, tive de me mudar. Mudei de casa. De cidade. De estado. (E minha mãe também se mudara..)... Não tinha como trazer a Lilica conosco. E ela ficou sob os cuidados de outra pessoa.

Não sei como isso se deu. Nem como começou. O fato foi que, numa noite de Natal, eu soube que a Lilica, por causa de uma doença, havia ido embora:

_ Ela morreu. – eu ouvi.

Silêncio mortal.Paralisação. Tremores internos. Acho que deveriam existir psicólogos de plantão para ensinar às pessoas a como dar essas notícias bombásticas...

A noite de Natal seguiu, mas meu sentimento parou. E hoje me lembrei dela, nem sei por que...(nem é Natal. E essa notícia já tem tanto tempo...). Mas me lembrei... E queria registrar...

Lilica, eu nunca fiz um carinho em você, nunca lhe disse o quanto eu a amava, e nunca lhe expliquei por que eu tinha essa barreira em relação a “minha raça” e a “sua” (mesmo porque, como explicar se nem eu sabia e nem nunca soube?)... Bom, o fato é que gostaria de lhe pedir perdão.. Nem sei por quê, mas gostaria... (talvez por não ter sido tão amiga, como você sempre foi...)

(Adriana Luz)


*

domingo, 26 de outubro de 2008

A aranha

*

Já passava da meia-noite. Naquela casa estranha, todos dormindo. Inclusive eu... Até aquele momento. Acordara com vontade de fazer xixi. Coisa mais normal do mundo. Levantei-me.
Coloquei meu roupão. E me dirigi ao recinto onde pessoas civilizadas costumam depositar suas necessidades fisiológicas: o banheiro.

Na casa em que eu estava, não havia banheiro no quarto.
Atravessei aquela sala enorme, no escuro, morrendo de medo de que houvesse algum inseto me observando. Mas, apesar de preocupada, minha vontade de esvaziar a bexiga era maior do que qualquer medo (pelo menos eu pensava assim).

Ainda sonolenta, acendi a luz daquele banheiro abafado. Mal tinha os olhos abertos... Porém, as pálpebras semicerradas foram o suficiente para que eu enxergasse, logo acima do vaso sanitário, uma grande, enorme, abissal ... aranha (daquelas caranguejeiras, peludas, asquerosas e horripilantes). Engoli a seco. O suor gelado tomou conta do meu corpo inteiro. Corri de volta para o quarto. Deitei-me na cama, com a esperança de que a vontade de fazer xixi tivesse passado com o susto. Mas não passou. Pior, aumentava a cada segundo.

Meu Deus! Onde iria depositar meu desespero? Deveria voltar ao recinto e fingir que aquele monstro não estava ali? Deveria gritar para todos da casa acordarem? (não, naquela casa estranha jamais faria isso!). Poderia dormir e fingir que o que eu estava sentindo iria passar?Conseguiria segurar o xixi até o dia seguinte? Avisaria a dona da casa que um alienígena estava morando em seu banheiro?

Minha cabeça entrou em parafuso.

Levantei-me da cama e comecei a andar em círculos pelo quarto. A barriga doendo. Parecia que eu iria explodir. Suava frio, quente, frio de novo... Pensei em ir ao outro banheiro (havia um perto da cozinha)... Mas, e se a aranha tivesse me seguido? E se ela estivesse me esperando do lado de fora da porta do quarto? E se houvesse outras aranhas pela casa? O único lugar seguro, naquele momento era o quarto onde eu estava... Mas, até quando? Se a aranha entrara no banheiro, poderia muito bem entrar ali, naquele quarto...

Tranquei a porta à chave. Vedei todos os buraquinhos (da fechadura, das janelas...) com algodões (que eu trazia sempre na bolsa e usava para tirar maquiagem ou limpar a pele macia de meu bebê...)

Lembrei-me do bebê... Coisa mais linda, ali ao meu lado, no berço. Aquela coisa fofa dormia tranquilamente...

Como poderia dormir assim? Eu ali, sofrendo, com dores abdominais, mentais, corporais, existenciais... prestes a fazer xixi nas calças... E ele (o bebê), tranquilo, sereno...

_ Deve ser porque está usando fraldas... - falei comigo mesma...

Hum... Eu havia dito "fraldas"?? - uma luz se acendeu.

Não havia outra saída. Abri o guarda-roupa, peguei a maleta do fofinho... Procurei por todas as fraldas ( que eu mesma havia trazido ) , juntei tudo, fiz um "montinho" no chão e...

Bem.. o resto você sabe...

Enfim...

Depois de aliviada, deitei-me na cama. Lembrei-me da aranha que deveria estar esperando para me atacar.

_ Não foi desta vez - pensei.

E dormi, serena, tranquila como um bebê...

(Adriana Luz)

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A barata

(O texto abaixo faz parte de um outro que escrevi há anos. A história é real. E pior, aconteceu comigo)

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Era a primeira noite do terço. Sugestão de Zuza. Ele aprendera numa de suas imersões religiosas que, todas as vezes que alguém morria, durante uma semana inteira deveriam rezar o terço em intenção do finado. Encarregou-se de tudo, inclusive dos comes e bebes. Naquela noite, a primeira do terço como já disse, saíra para comprar mais salgadinhos e, como demorava para voltar, sua mãe, achando que se tratava de mais um daqueles sumiços do filho, convidou Naná para iniciar as orações.

A moça já havia dado mostras à dona da casa, em outras ocasiões, de que conhecia todas as orações católicas. Quando Zuza voltou, já haviam iniciado. Compenetrado, sentou-se e começou a fazer suas orações pessoais também em silêncio e de olhos fechados. Todos permaneciam sentados numa salinha; havia muitas senhoras idosas e muitos membros da família (tias, tios, primos), vizinhos e todos os estranhos íntimos ou íntimos estranhos, como queira...Muito concentrada, Naná iniciou. Ave-Maria cheia de graça...Naquele instante, Naná percebeu que um inseto entrara voando pela janela. Um inseto – como ela diria depois – ‘asqueroso, nojento, horripilante’... Esqueci-me de informar que Naná carregava dentro de si um pavor incomensurável por tal inseto... Mas ninguém sabia disso, até aquele presente momento. O tal inseto era uma barata – daquelas voadoras e enormes.

Num primeiro momento, Naná tentou manter a pose, afinal, ninguém se mostrara incomodado com ‘aquilo’. Todos, inclusive, estavam com os olhos fechados, totalmente concentrados na oração que ouviam. Bendita sois vós entre as mulheres... Mas não havia como ignorar aquele monstro... A dona da casa percebeu a inquietação de Naná, não obstante, em se tratando dela, tudo poderia ser normal ou não... Imaginou que talvez fosse um tipo de emoção e chegou a achar bonito.Uma das mulheres presentes, uma tia de Zuza, que igualmente já havia percebido a presença do ‘dinossauro’, começou, também a se mexer no sofá... O inseto começara a voar desgovernadamente pela sala. Bendito é o fruto... Naná olhou para a tia de Zuza. Ninguém mais estava preocupado com aquele bicho, só ela e a tia. Esta também estava tensa e acompanhando os vôos da intrometida... Do vosso ventre... A barata voando... Jesus... Batia suas asas no lustre... Ninguém mais percebe?... Santa-Maria... A barata fizera um vôo rasante... Mãe de Deus... Ela sumiu... Rogai por nós... Onde está?... Pecadores... O inseto desaparecera. Escafedera-se. Olhares entre Naná e a tia de Zuza foram trocados... Agora e na hora... Olharam-se novamente, como se a qualquer momento fosse acontecer uma catástrofe... De nossa morte...‘Ela está no seu cabelo!’ – a tia fizera um sinal com as mãos e os lábios...

_ Amémmmmmmmmm!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Naná dera um berro sepulcral e saíra correndo, feito louca, rumo à cozinha, balançando a cabeça para todos os lados e embaralhando os cabelos com as mãos. A tia, que estava com um bebê no colo, e achando que o ‘animal’ havia se arremessado em sua direção, saiu também gritando, gesticulando e se descabelando. O bebê, a esta altura, sabe-se lá como, fora parar no colo do irmão de alguém desconhecido. As duas não paravam de gritar e se descabelar. As pessoas presentes olhavam mudas e atônitas à cena. Mas as mulheres não paravam de gritar.
_ Está no meu cabelo agora!!!!!!
_ Não, está no meuuuuuuuu!!!!!!!
_ Nas minhas costas!!!!!!
_ Não, nas minhas!!!!!!!!!!!
_ Aiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!
_ Socooooooorrrrrrro!!!!!!!
_ Cheeeeeeeeeega!!!!!! – era Zuza pondo um ponto final à histeria – Já matei a barata, Naná!!!!!!!!!!

Silêncio mortal.

(...) Naná olhou para a mulher, as duas olharam para o chão e viram a barata desfalecida... Olharam em volta e se deram conta da situação. Todos as observavam. A tia pigarreou, ajeitou os cabelos, a roupa e o terço que ainda estava em suas mãos, tratou de resgatar seu bebê perdido em algum colo e voltou ao sofá. Naná ainda fixou seu olhar em Zuza, pegou seu pequeno rosário que na correria havia caído no chão ao lado da barata, e ambos – Naná e Zuza – voltaram aos seus lugares como se nada tivesse acontecido.

‘Ave-Maria, cheia de graça...’



(Adriana Luz)

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Fobia

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Eu não sei qual é o meu caso. Mas já passei vários momentos vergonhosos por causa dessa minha fobia por bicho (e quando eu falo em bicho, estou incluindo todo o tipo: papagaio, passarinho, coelho, cachorro, barata, formiga...). E aí alguém me diz: “Você não pode misturar, há diferença entre bichos e insetos”.

Sinceramente? Nem quero saber.

Só gostaria de conseguir me controlar em alguns momentos. Hoje, por exemplo, num momento atleta de ser, depois de ter caminhado uns, digamos, quinze minutos por uma areia fofa e quente... deparei-me com uma dessas situações bizarras. Um cachorrinho, de mais ou menos 20 centímetros, todo saltitante e sujo de areia, cruzou o meu caminho. Num primeiro momento, não me preocupei. Vi que o bichinho era pequeno, e então, mentalizei: tá tudo certo. E continuei minha caminhada.. Não era possível que aquilo iria me incomodar...

Ledo engano. Não é que o bichinho invocou comigo?

Passou por mim, parou, levantou o focinho e decidiu me cercar, cheirar, encarar... Eu comecei a andar em círculos... E ele... TAMBÉM!!! Meu Deus! Que desespero! Por mais que eu dissesse: chispa!... ele não se tocava. E vinha cada vez mais perto. Meu pânico aflorou. Fiquei cega, surda, louca! Parecia que um tsunami iria me envolver areia e praia afora!! Comecei a gritar, a pedir socorro, a chorar (quase!). Até que o dono do cachorro resolveu dar o ar da graça ...

_ Moça, ele é um filhote, só tem 20 centímetros!

E o pegou no colo.

Eu, com um misto de vergonha e raiva, só consegui balbuciar:

_Desculpa, moço, tenho trauma de cachorro.

Trauma de cachorro? Ele me olhava como se não quisesse acreditar... De onde eu tirara isso? - deve ter pensado...E eu, com uma vontade de gritar: sim, eu tenho trauma de barata, de lagartixa, de mosquito, de formiga... E de cachorro!!!! Mas engoli em silêncio meu vexame.
E saí andando, com vontade de sumir. Ou de fazer sumir todos os bichos que há no mundo.
Um casal deitado na areia, olhava e achava graça daquela cena que eu acabara de protagonizar.Lancei um olhar fulminante aos dois, e fixei meus olhos na barriga daquela horrorosa que me escarnecia. Ela disfarçou o sorriso.E eu segui em frente...
Bom, tenho de admitir. Morro de medo de cachorro. E isso é um problema, porque aonde quer que eu vá há cachorros, saltitantes, felizes, loucos pra me cheirar, me envolver, me lamber... mas na minha cabeça - vá entender - eu sinto que vou virar ração...
Eu sei que ninguém entende...
E por isso o desespero... Estou sozinha no mundo dos medos. E, pior, esse mundo, na minha cabeça, é real.

Oh, vida.

(Adriana Luz - 21 de abril de 2008)

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Insite

Acordei me lembrando de uma situação bizarra que vivenciara alguns anos atrás. E me peguei rindo de algo que, na época, tivera sido um dos maiores vexames da minha vida. Gozado como as coisas perdem a seriedade quando a observamos de longe.

Eu sempre fui muito medrosa. E já sofri muito por isso. Hoje, tento me controlar. E esse depósito aqui vai servir (acho!) como terapia (as sessões de análise ficaram muito caras...rs).

Um depósito apenas... É isso!

(Adriana Luz)