Adriana Luz

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Adriana
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domingo, 26 de outubro de 2008

A barata

(O texto abaixo faz parte de um outro que escrevi há anos. A história é real. E pior, aconteceu comigo)

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Era a primeira noite do terço. Sugestão de Zuza. Ele aprendera numa de suas imersões religiosas que, todas as vezes que alguém morria, durante uma semana inteira deveriam rezar o terço em intenção do finado. Encarregou-se de tudo, inclusive dos comes e bebes. Naquela noite, a primeira do terço como já disse, saíra para comprar mais salgadinhos e, como demorava para voltar, sua mãe, achando que se tratava de mais um daqueles sumiços do filho, convidou Naná para iniciar as orações.

A moça já havia dado mostras à dona da casa, em outras ocasiões, de que conhecia todas as orações católicas. Quando Zuza voltou, já haviam iniciado. Compenetrado, sentou-se e começou a fazer suas orações pessoais também em silêncio e de olhos fechados. Todos permaneciam sentados numa salinha; havia muitas senhoras idosas e muitos membros da família (tias, tios, primos), vizinhos e todos os estranhos íntimos ou íntimos estranhos, como queira...Muito concentrada, Naná iniciou. Ave-Maria cheia de graça...Naquele instante, Naná percebeu que um inseto entrara voando pela janela. Um inseto – como ela diria depois – ‘asqueroso, nojento, horripilante’... Esqueci-me de informar que Naná carregava dentro de si um pavor incomensurável por tal inseto... Mas ninguém sabia disso, até aquele presente momento. O tal inseto era uma barata – daquelas voadoras e enormes.

Num primeiro momento, Naná tentou manter a pose, afinal, ninguém se mostrara incomodado com ‘aquilo’. Todos, inclusive, estavam com os olhos fechados, totalmente concentrados na oração que ouviam. Bendita sois vós entre as mulheres... Mas não havia como ignorar aquele monstro... A dona da casa percebeu a inquietação de Naná, não obstante, em se tratando dela, tudo poderia ser normal ou não... Imaginou que talvez fosse um tipo de emoção e chegou a achar bonito.Uma das mulheres presentes, uma tia de Zuza, que igualmente já havia percebido a presença do ‘dinossauro’, começou, também a se mexer no sofá... O inseto começara a voar desgovernadamente pela sala. Bendito é o fruto... Naná olhou para a tia de Zuza. Ninguém mais estava preocupado com aquele bicho, só ela e a tia. Esta também estava tensa e acompanhando os vôos da intrometida... Do vosso ventre... A barata voando... Jesus... Batia suas asas no lustre... Ninguém mais percebe?... Santa-Maria... A barata fizera um vôo rasante... Mãe de Deus... Ela sumiu... Rogai por nós... Onde está?... Pecadores... O inseto desaparecera. Escafedera-se. Olhares entre Naná e a tia de Zuza foram trocados... Agora e na hora... Olharam-se novamente, como se a qualquer momento fosse acontecer uma catástrofe... De nossa morte...‘Ela está no seu cabelo!’ – a tia fizera um sinal com as mãos e os lábios...

_ Amémmmmmmmmm!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Naná dera um berro sepulcral e saíra correndo, feito louca, rumo à cozinha, balançando a cabeça para todos os lados e embaralhando os cabelos com as mãos. A tia, que estava com um bebê no colo, e achando que o ‘animal’ havia se arremessado em sua direção, saiu também gritando, gesticulando e se descabelando. O bebê, a esta altura, sabe-se lá como, fora parar no colo do irmão de alguém desconhecido. As duas não paravam de gritar e se descabelar. As pessoas presentes olhavam mudas e atônitas à cena. Mas as mulheres não paravam de gritar.
_ Está no meu cabelo agora!!!!!!
_ Não, está no meuuuuuuuu!!!!!!!
_ Nas minhas costas!!!!!!
_ Não, nas minhas!!!!!!!!!!!
_ Aiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!
_ Socooooooorrrrrrro!!!!!!!
_ Cheeeeeeeeeega!!!!!! – era Zuza pondo um ponto final à histeria – Já matei a barata, Naná!!!!!!!!!!

Silêncio mortal.

(...) Naná olhou para a mulher, as duas olharam para o chão e viram a barata desfalecida... Olharam em volta e se deram conta da situação. Todos as observavam. A tia pigarreou, ajeitou os cabelos, a roupa e o terço que ainda estava em suas mãos, tratou de resgatar seu bebê perdido em algum colo e voltou ao sofá. Naná ainda fixou seu olhar em Zuza, pegou seu pequeno rosário que na correria havia caído no chão ao lado da barata, e ambos – Naná e Zuza – voltaram aos seus lugares como se nada tivesse acontecido.

‘Ave-Maria, cheia de graça...’



(Adriana Luz)

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